Tradição transviada
1969, registro de dois feitos gloriosos para a cultura mundial, primeiramente pela realização do Festival de Woodstock, grande evento que firmou as ideologias do multifacetado movimento Hippie. E já que estamos falando do movimento que trouxe à tona a idéia de “amor livre”, “anarquismo no amor” e outros termos que fazem qualquer homem inseguro torcer o nariz, por que não falamos logo do segundo grande feito daquele ano para os amantes da música negra, foi o ano em que Muddy Waters gravava a música “You Can’t Lose What You Ain’t Never Had” em seu disco “Fathers and Sons”. Com esta música ele consegue exprimir toda a idéia de desprendimento que os jovens burgueses buscavam, fugir dos padrões burgueses de AMOR, FAMÍLIA e mais importante: VIDA.
Outro detalhe, nestes dois grandes eventos daquele ano está registrada a presença do gaitista Paul Butterfield. Isto também nos faz lembrar de uma grande mudança na lógica social daquela época, pois Butterfield foi, nos anos 60, o primeiro gaitista branco a ganhar status de bluesman negro. Até então só tocara com Muddy Waters, por exemplo, Sonny Boy Williamson, Little Walter e George Smith todos negros. Paul Butterfiel, juntamente com um empurrazinho das vertiginosas mudanças sociais do período, teve a possibilidade de se projetar numa realidade até então dominada pelos negros. O jovem burguês branco começa a mergulhar em outras culturas como a cultura negra, indiana, budista dentre outras. Butterfield não fica para trás e mostra que também pode tocar blues com todo o vigor que ele, como homem, tem dentro de si, mostra que cor não é nada e toca simplesmente porque também sente o blues. Dinâmica, propriedade, força e bom senso são as características mais marcantes de sua gaita neste disco. Destaque para sua atuação em “Standin’ Round Cryin’” onde ele, apesar de ter feito exatamente o mesmo que o mestre Little Walter fizera na gravação do disco “Hoochie Koochie Man”, gravado a mais de uma década antes, traz sua força carregada do calor das válvulas de seu amplificador.
Father and Sons é um disco que traz consigo a verve da música negra, música negra valvulada. Tudo soa distorcido, tudo soa como choro, potencialidades, mudanças e amor ao que há de bom na tradição. A capa, conforme a figura acima, traz a sítese do ideário da época, o blues começava a mudar de figura, os grandes pais pretos velhos estavam passando seu legado aos filhos brancos.
Fathers and Sons (1969) Gravado pela Chess Records
Muddy Walter
Paul Butterfield
Michael Bloomfield
Otis Spann
Buddy Miles
Donald “Duck” Dunn
Sam Lay